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Channel: TRIP // Transformadores
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Lições de comportamento

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Há sete anos o Prêmio Trip Transformadores tem a preocupação de reconhecer pessoas e iniciativas que trabalham com o propósito de melhorar a sociedade em que estão inseridas. São personalidades que não se preocupam apenas em melhorar a vida ao seu redor, mas em promover alterações profundas, que mudam a forma de encarar a vida de milhares de pessoas. Desde agosto a Trip vem publicando os perfis dos homenageados da edição de 2014. A cerimônia de premiação só acontece em novembro, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, mas essas histórias merecem ser contadas mais de uma vez. 

Desta vez, vamos apresentar três delas: primeiro, a de Claudio Sassaki, que fez carreira no mercado financeiro, mas cuja crença na máxima de que “uma pessoa pode aprender qualquer coisa” fez com que deixasse as ações de lado e investisse numa plataforma de soluções que tenta diminuir o abismo do conhecimento no Brasil; depois, a da dupla Alessandra Orofino e Miguel Lago, que da vontade de criar uma rede social voltada à política concebeu uma organização que ajuda as pessoas a se tornarem mais cidadãs; por último, a doutora Irene Adams, médica que dedica sua vida a tratar e a humanizar meninos de rua infectados pelo vírus da aids.

O Prêmio Trip Transformadores é apoiado por marcas com princípios alinhados à iniciativa e a seus homenageados. Este ano o prêmio é patrocinado pelo Grupo Boticário e O Boticário, uma das empresas pertencentes ao grupo e nosso parceiro desde 2008. Copatrocinado pelo Itaú e pela Volkswagen e apoiado por Kero Coco, Suzano Papel e Celulose, GOL Linhas Aéreas Inteligentes, Almap BBDO, Academia de Filmes, Ibep Gráfi ca, Update or Die e Rádio Eldorado FM 107,3.

Pedro Fonseca

Claudio Sassaki
Uma escola para a vida - o executivo que decidiu investir no ensino do futuro 

A escola do futuro não tem paredes. Nem mesmo séries. Aula? Não exatamente. O aluno é quem vai decidir como aprender o conteúdo de cada disciplina. Português e matemática farão parte da grade curricular, claro, mas a ideia é ir além, focando em competências para a vida. Sai de cena a obrigação, entra a oportunidade. 

Se depender de Claudio Sassaki, essa escola, que prepara o estudante para a vida a partir das habilidades que ele deseja desenvolver, vai ser realidade num futuro não muito distante. Há pouco mais de três anos, esse executivo paulistano de 40 anos deixou uma carreira bem-sucedida no mercado financeiro para se tornar empreendedor na área de educação. Ele é um dos criadores da Geekie, empresa que oferece o que chama de “soluções educacionais”. Partindo da ideia de que estudantes diferentes entendem os conteúdos de forma diferente, a empresa faz uso da tecnologia para personalizar o aprendizado em larga escala. 

A plataforma é baseada no conceito de aprendizado adaptativo. Conforme os estudantes a usam, os algoritmos aprendem sobre eles e passam a recomendar o conteúdo que for mais importante, na ordem que atende às suas necessidades e sugerindo também tópicos que os estudantes precisam rever. “Acredito que uma pessoa possa aprender qualquer coisa, mas o sistema educacional não ajuda, só contempla quem aprende da forma tradicional. No adaptativo, há uma inversão do processo. O conteúdo se adapta à forma como você aprende melhor”, diz Sassaki. Além dos alunos, professores e gestores também se envolvem no processo.

Em tempos de inúmeras possibilidades oferecidas pela internet, a sala de aula ainda é um espaço hierarquizado, que coloca de um lado o professor/detentor do conhecimento e de outro o aluno/ouvinte passivo. A Geekie tenta mudar essa lógica investindo na personalização, para que o ritmo e o formato do conteúdo façam mais sentido para cada estudante. O principal produto da empresa hoje é o Geekie Games, uma plataforma de estudos voltada para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Por um período do ano, o acesso é gratuito – em 2013, 2 milhões de alunos se cadastraram, diz Sassaki, dos quais 600 mil usaram efetivamente o programa.

 

Mudança de rota

Sassaki foi um aluno brilhante, desses que gostam de matemática, biologia e história, ao mesmo tempo. Apaixonado por esportes, saiu de casa aos 14 anos para jogar tênis. Voltou aos 18 e, depois de um momento de indecisão, entrou na FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Passou a dar aulas particulares, de muitas disciplinas – até mesmo de tênis. Foi voluntário em uma
ONG de educação e, com essa atuação, entendeu o quanto o potencial de transformação das pessoas o motivava. 

Sentiu vontade de entender de administração e conseguiu uma bolsa de estudos em Standford, onde fez mestrado e MBA. Em seguida, passou anos em Nova York trabalhando em bancos de investimento. “O mercado financeiro seduz por dinheiro, poder e status. Você viaja muito, interage com pessoas inteligentíssimas, ganha muito dinheiro. Mas eu não tinha vida”, lembra. Quando o pai teve um problema de saúde, voltou para o Brasil, como vice-presidente do Credit Suisse. Depois seguiu para o mesmo cargo no Goldman Sachs. Surgiu, então, a oportunidade de ser diretor financeiro na Petra Energia. “Fui, fiquei oito meses, mas me dei conta de que precisava fazer outra coisa.” 

Em 2011, a vontade de dar uma guinada na vida se impôs. Começou a pesquisar com um amigo da época dos bancos, Eduardo Bomtempo, iniciativas e trabalhos na área de educação. Encantaram-se pelo aprendizado adaptativo. Depois de uma série de estudos e análises, abriram a Geekie. 

Deixar a segurança do mercado financeiro para empreender em tecnologia para educação em um país que ainda não tem tradição na área é um desafio constante. “Você não precisa escolher entre mudar o mundo e ganhar dinheiro, pode fazer os
dois.” Por conta disso, quando uma escola particular compra um pacote de serviços, a Geekie doa o mesmo para uma escola pública. “Seria uma incoerência disponibilizar o que a gente faz só para alunos de escola particular, a gente estaria aumentando o abismo. Quem mais precisa são os alunos de escola pública, os que têm menos condições, mais necessidades.” 

Quando olha para sua trajetória, Sassaki tem a impressão de já ter vivido várias vidas. “Sempre tive facilidade para aprender, era um talento que usava só para mim. Quando descobri que podia ajudar as pessoas a descobrir seus talentos também, tudo mudou.”

Vai lá www.geekie.com.br

 

Pedro Fonseca

Alessandra Orofino e Miguel 
Cidadania na Era Digital - Criadores da rede Minhas Cidades apostam no poder de engajamento do "ativismo de sofá" para transformar a vida pública

É possível mudar o mundo sem sair de casa, agitando causas cívicas com as quais você se identifica a partir do conforto do seu sofá, utilizando a mesma internet à qual você passa tantas horas conectado. Quem acredita nesse poder são dois jovens cariocas, Alessandra Orofino, 25, e Miguel Lago, 26, criadores do Minhas Cidades, uma rede de mobilização para assuntos políticos e sociais que ajuda a aproximar cidadãos e governantes na tentativa de influenciar a tomada de decisões nas cidades. 

Não foi pelos R$ 0,20 dos protestos de junho de 2013 que o Minhas Cidades se formou. Foi há três anos, quando o Rio foi escolhido para ser cidade-sede das Olimpíadas de 2016. A “ideia maluca” que Miguel teve anos antes, de criar algo como o Facebook, mas para falar de política, parecia ainda mais relevante. Com a amiga dos tempos de escola, começou a tirar do papel a ideia, que chamaram de Meu Rio. 

Miguel e Alessandra se conheceram no Lycée Molière, escola francesa no Rio, onde fizeram uma “revolução dos nerds”, puxando uma greve contra o corte de aulas. Estudaram no exterior – ela, na Universidade Columbia, em Nova York, onde se formou em economia; ele, cursando ciência política e depois mestrado em administração pública no Sciences Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris. 

De volta ao Rio, articularam o projeto, que ganhou corpo em 2011. Mudaram a alcunha de Meu Rio para Minhas Cidades depois do Prêmio Desafio Impacto Social Google Brasil, pelo qual receberam R$ 1 milhão para replicar o modelo em outros estados. Entre as conquistas, a rede ajudou a revogar um decreto que proibia bailes funks e a evitar a demolição da Escola Municipal Friedenreich, que daria lugar a obras no Maracanã. A plataforma tem hoje mais de 150 mil pessoas cadastradas e exibe entre suas ferramentas a Panela de Pressão, em que o cidadão cadastra uma causa e pressiona diretamente o tomador de decisão por meio de Facebook, Twitter, e-mails e telefone. A primeira vitória usando o mecanismo em São Paulo foi o veto ao vagão rosa destinado a mulheres no metrô. 

Para fazer funcionar a plataforma e remunerar a equipe de profissionais – formada por 22 pessoas – o projeto recebe doações de fundações, instituições e pessoas físicas, que contribuem, em média, com R$ 15 por mês. Alessandra faz questão de ressaltar de onde o dinheiro não vem. “A grana pode vir de muitos lugares, mas nunca de partidos, representantes eleitos ou agências de governo, nem de empresas estatais e concessionários de serviços urbanos fundamentais, como ônibus e metrô.” 

Para eles, a essência do trabalho é incentivar as pessoas a usar um pouco do seu tempo para mudar a realidade. “Você leva as pessoas a se interessarem pela vida pública quando as encarrega de afazeres próximos da vida cotidiana”, diz Miguel, para quem a tecnologia não cria nada, mas aumenta o impacto de tudo. Alessandra completa: “É necessário distribuir melhor as ferramentas de exercício de poder. Na cidade, em que qualquer decisão política afeta todos, se o poder é concentrado entre quatro paredes você vai criar mais desigualdade, uma cidade menos gostosa de viver”, acrescentando que o exercício é caracterizado pelos desejos diferentes. Atualmente, os principais temas de discussão são mobilidade urbana, direitos dos animais, igualdade de gênero, segurança, controle social e acesso ao espaço público.

A pulverização de discursos ecoa junho de 2013, período em que as lideranças e as pautas das manifestações eram diversas, mas encontraram seu ponto em comum na mobilização pelas redes sociais. “O termo ‘ativismo de sofá’ tem que ser ressignificado. Tem gente que começa assinando uma petição em 5 minutos e depois se engaja em outras causas”, comenta Alessandra. A dupla também acredita que, se continuar trabalhando do mesmo jeito, com os mesmos mecanismos, em dez anos as redes Meu Rio, Minha Sampa e Minhas Cidades terão se tornado irrelevantes. “Se a gente conseguir criar um modelo de governança mais participativo, exercendo política pública, talvez a gente tenha um sistema na cidade que não precise mais delas.” Enquanto isso, todo clique consciente é relevante.

Vai lá www.minhascidades.org.br

 

Pedro Fonseca

Irene Adams
A cura pelo amor - A doutora que fez do tratamento de crianças de rua afetadas pela aids sua cruzada pessoal e profissional só quer que sua clínica continue salvando vidas

Você nunca esquece como a aids entrou na sua vida”, dispara Irene Adams, médica que transformou a doença em trilha para sua apaixonada trajetória profissional. Radicada em Belo Horizonte desde o fim dos anos 1970, a holandesa é a criadora da clínica Ammor, que tem como propósito ajudar crianças e adolescentes em situação de risco, educando-os por meio da saúde e, principalmente, da autoestima. 

Irene mudou-se para o Brasil com o marido, engenheiro de petróleo. Especializada em imunologia e oncologia, ela começou a trabalhar em um hospital nos anos 1980, onde ouviu falar de aids pela primeira vez, no começo da epidemia. Se hoje a falta de informação ainda predomina, é possível imaginar como o cenário era ainda mais duro. “Fiquei fascinada intelectualmente e comecei a querer entender as pessoas também. Elas sentiam culpa, vergonha, queriam esconder a doença de todos e delas mesmas. É uma doença muito diferente do câncer, que gera uma solidariedade imediata”, lembra. A reflexão mudou sua carreira: “Percebi que eu tinha que ser outro tipo de médica”.

Em um jantar em homenagem à rainha da Holanda, reuniu-se com conterrâneos e falou de sua mais recente descoberta. O casal anfitrião a convidou para conhecer a entidade que eles ajudavam, voltada para meninos de rua. “Eram meninos que perderam o vínculo com a mãe, com a escola. Nem TV eles viam. E iniciavam a vida sexual muito cedo, com 9, 10 anos.” Ela pensou que podia atendê-los e apresentou um projeto-piloto que foi aprovado pelo hospital em que trabalhava. O mesmo casal da entidade a apresentou
a um padre da Pastoral do Menor, que sugeriu que os atendimentos passassem a ser feitos ali. “Assim os meninos não precisariam ir a uma parte do hospital que tratasse exclusivamente de aids, para evitar o estigma”, lembra. Ao fazer os atendimentos, descobriu que a aids era o menor dos problemas na vida deles. “A doença pode demorar até dez anos para se manifestar. A necessidade do menino é de aprender a gostar de si, a acreditar que tem mais a tirar da vida.”

Começava, em 1988, a clínica Ammor – que nos primórdios era abreviação para Atendimento Médico aos Meninos de Rua; hoje significa Ação Multiprofissional com Meninos em Risco. O projeto tem três pilares: atendimento médico (de check-up a planejamento familiar, passando por nutrição, ginecologia, psicologia, entre outros), intervenções educativas entre os jovens e capacitação de educadores. “Falamos de sexualidade, afetividade, DST, violência, abuso. A ideia é promover os direitos humanos e não ser assistencialista.” A clínica funciona na base de parcerias com entidades governamentais e não governamentais e também por meio de doações.

A doutora calcula que cerca de 2.500 crianças e adolescentes passaram pela clínica em quase 30 anos. O que chamou a sua atenção no primeiro atendimento é o que a impressiona até hoje. “O que eles querem é atenção, contato”, diz ela, acostumada a ser rodeada por várias crianças ao mesmo tempo. “Eu abraço, faço carinho... São lições que fazem parte da minha bagagem.” E o que eles vivem também vira ensinamento para ela. “Quando vi os meninos aprendendo a viver com a morte, aprendi também. Quando aceito a minha morte, começo a viver.” 

Sua maior preocupação hoje é com a continuidade do projeto. “Minha vida é o projeto. Meu desejo é que ele tenha vida própria, que mais pessoas acreditem e levem para a frente”, diz. Atualmente, paga uma assessoria para captar recursos e buscar voluntários que acreditem na causa. “Não acho que tenho que formar outra doutora Irene. Em 26 anos, nunca consegui. O que quero é assegurar que o projeto vai existir pra sempre.” 

Quando recebe a visita de dois ex-pacientes, hoje livres da rua e das drogas, o sorriso se escancara. Contam que hoje tentam tirar outros meninos, seus espelhos do passado, da rua. “Eles chegam aonde não consigo chegar.”

 


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